Parece mesmo que Brasília é um outro mundo, incluindo aí todos os políticos que normalmente se nomeiam como tal - executivo e legislativo. Muito embora haja exceções, poderíamos dizer que o estado brasileiro está totalmente dissociado da sociedade civil, ainda que não pareça. O populismo rasteiro e improdutivo vem anestesiando a sociedade que perde o parâmetro da vida pública à medida que o presidente ao invés de se deter em assuntos de real interesse da sociedade, aparece todos os dias na mídia, fazendo e desfazendo assuntos, muitos deles sem importância alguma, deixando a população sem um precioso momento para refletir se, o que se passou ou aconteceu é realmente necessário ou conveniente para a nação ou para o sofrido povo brasileiro.
Cientistas políticos mais maduros comentam que o apelo populista presidencial associado a um assistencialismo generalizado e os repetitivos discursos por toda parte, numa glorificação narcisista obsessiva, sugere a ausência de líderes que possam empolgar a opinião pública e suplantar o torneiro mecânico que maliciosamente vem levando de roldão a pátria bem amada. Muita celeuma é causada na imprensa diante dos fatos mais estapafúrdios, mas novas ondas de episódios grotescos abafam o que ocorreu e o Chefe da Nação aparece, no dia seguinte, como o herói que nada teve a ver com a confusão em sua volta.
Pode ser que, até outubro, se dê o momento em que os menos favorecidos passem a perceber que as transformações em suas vidas são ilusórias e que continuaram a servir de massa de manobra. Com efeito, nem todos sabem que o brasileiro trabalha cinco meses no ano para pagar todos os impostos ao Governo e, no entanto, em situação lamentável estão nossas estradas, a saúde pública, a educação, a segurança pública, etc., etc., etc.
“Nalguns Países, a abundância e o luxo desenfreado duns poucos privilegiados contrasta, de maneira estridente e ofensiva, com as condições de mal-estar extremo da maioria; noutras nações obriga-se a atual geração a viver privações desumanas para o poder econômico nacional crescer segundo um ritmo de aceleração que ultrapassa os limites marcados pela justiça pela humanidade. A riqueza dum povo não depende só da abundância global de bens, mas também, e mais ainda, da real e eficaz distribuição deles segundo a justiça, para tornar possível a melhoria do estado pessoal dos membros da sociedade: este é o fim verdadeiro da economia nacional”. (Papa João XXIII).
Os melhores políticos, e ainda, os há felizmente, precisam se unir para dar novos rumos ao Brasil ou eles serão responsabilizados pelo caos que se instaurará mais dia menos dia. Felizmente veio a Lei do fixa limpa para neutralizar e banir da política os corruptos da vida pública.
Assim, a nação brasileira acompanhou estarrecida e indignada, nos anos de dois mil e cinco / dois mil e seis à sucessão de fatos que paralisaram por mais de um ano o Congresso e o Governo Federal, com as denúncias de que Deputados Federais recebiam pagamentos mensais do Partido dos Trabalhadores. A crise política atingiu o ministro-chefe da Casa Civil, o Ministro da Fazenda, toda a cúpula do Partido dos Trabalhadores, assim como presidentes e diretores de estatais. Parlamentares de vários partidos receberam, por indicação do partido do governo, vultosas somas em dinheiro e que até hoje não ficou totalmente claro de onde provieram esses recursos, se de contratos superfaturados, de serviços não prestados, de manipulação de títulos públicos e privados nas bolsas de valores, ou, ainda muito mais sério, se de fontes externas, capitulando até mesmo graves riscos a segurança nacional. Infelizmente, tudo isso, ficou esquecido da nação brasileira, assim como os últimos acontecimentos no governo do Distrito Federal em Brasília.
Analistas experientes sugerem que os malfeitos que têm vindo à luz não começaram agora, nem decorrem de um equívoco individual. O objetivo seria criar uma rede sistêmica, planejada, coletivamente organizada. O passo seguinte, depois da já anunciada reforma sindical, viria com a transformação das centrais sindicais em entidades financeiramente poderosas, capazes de gerenciar bancos, planos de saúde privados e planos de pensão. Estaria instalado não mais o sindicalismo de resultados, mas o sindicalismo de negócios.
O Partido dos Trabalhadores, como todos sabem, nasceu da reunião de intelectuais paulistas, setores progressistas da Igreja Católica e de sindicalistas. A sua gênese foi a busca, pela vertente sindical, da melhoria das condições de vida dos trabalhadores: seu discurso era eminentemente ético, essencialmente moralista; sua cultura, uma mistura de conceitos marxistas, ora sob influência de Lenin, ora de Trotsky e, mais recentemente, do sociólogo italiano Antonio Gramsci . A prática da direção do partido era de cunho stalinista. Dividido em alas, tendências e grupos que se mantiveram unidos enquanto buscavam o poder. O partido há pelo menos dez anos esteve sob o comando centralizador e autoritário do denominado campo majoritário, nome, aliás, como nos ensina o Aurélio - tradução do russo bolshevik (diz-se da ala majoritária do Partido Operário Russo – segundo o Dicionário Aurélio).
A hegemonia obtida pela articulação do campo majoritário no Partido dos Trabalhadores e na CUT, não pode ser dissociada do uso sistemático dessa nova e poderosa arma, a arma do dinheiro, porque ela acaba destruindo sonhos coletivos, tornando-se desnecessária a batalha das idéias. Assim transforma a militância em um estorvo diante da docilidade dos cabos eleitorais remunerados e que, por sua vez, termina por engolir seus próprios executores.
O jornalista Merval Pereira em artigo, (O que fazer – jornal O Globo, julho 2005) lembrava que o sociólogo Francisco Oliveira, professor da USP e um dos fundadores do partido dos trabalhadores, foi o primeiro a registrar que a elite do sindicalismo passou a constituir uma nova classe social no Brasil, ao ocupar posições nos Conselhos de Administração dos principais fundos de pensão das estatais e do BNDES. O jornalista lembra que uma verdadeira república sindicalista foi sendo moldada à medida que decisões ampliaram o espaço de atuação e revitalizaram as finanças do sistema sindical brasileiro. Assim o governo autorizou os sindicatos a criarem cooperativas de crédito que poderão funcionar como bancos e planos de previdência complementar.
Crêem os especialistas que as evidências do que surgiu de todo esse emaranhado de denúncias negativas, confirmações em depoimentos, levam à conclusão que um projeto de poder de longa duração estava sendo montado. De um lado o governo apoiava-se no suporte de parte importante do empresariado brasileiro e de investidores internacionais pela via da adoção de políticas prudentes na administração financeira, no estímulo à produção agropecuária, nos incentivos às exportações; de outro, acolhia no seu seio os chamados movimentos sociais e os financiava direta ou indiretamente, como vem fazendo com o MST, a UNE e a CUT. Foi nessa linha que se buscou o controle da cultura, em seguida dos meios de comunicação e por fim do sistema de ensino universitário. Felizmente as três tentativas foram abortadas pelo repúdio da sociedade civil.
É fundamental para a democracia – não como a definia Gramsci, mas como a desejavam Thomas Jefferson, Joaquim Nabuco e Ruy Barbosa, na qual identifiquem as verdadeiras causas da deterioração do ambiente político para que então, quando removidas , possa as necessárias reformas levar ao convívio estável de formas plurais de representação. Pouco a pouco setores da sociedade vem se convencendo que o sistema político-eleitoral brasileiro está na origem do problema da corrupção pelo lado da demanda, para usar expressão típica de mercado (a oferta vem do lado dos provedores de meios: governos quando objetivam eternizar-se no poder; setores do empresariado quando buscam o seu ilícito enriquecimento). De fato desse sistema atual resulta o elevadíssimo custo das campanhas eleitorais para os parlamentos nos seus três níveis (municipal, estadual e federal) e na absoluta e total dissociação do eleito com a sua legenda partidária e com suas propostas iniciais.
A representação no Congresso deve cumprir simultaneamente duas funções. A primeira, materializar representatividade, isto é, dar voz, voto e expressão política às diferentes correntes ideológicas, doutrinárias ou programáticas existentes na sociedade, por intermédio dos partidos, atendendo-se assim a um dos requisitos essenciais da democracia, que é o pluralismo político. A outra função, tão relevante quanto a primeira, é assegurar a governabilidade, ou seja, a possibilidade de o governo tornar efetivas as suas decisões imperativas.
Teme-se dizer que o nosso sistema não consegue alcançar na sua plenitude nenhum dos dois objetivos e pior, vem acrescentando um outro, agora revelado de forma clara, embora a algum tempo conhecida pelos que militam na política: a corrupção com a cooptação de parlamentares e o aparelhamento do Estado pela ocupação de milhares de cargos comissionados por indicação político partidária.
Cabe lembrar que nos últimos 50 anos produziram-se no país, enormes e profundas modificações; passamos de uma sociedade rural para outra eminentemente urbana; saímos de uma estrutura de produção agrícola e industrial simples e atrasada, para outra mais sofisticada, mais aberta e competitiva; evoluímos de uma população desinformada e de alto grau de analfabetismo, para outra com acesso instantâneo à informação e ao debate pela via da mídia eletrônica. Não obstante, permanecem imunes às mudanças que vêm alterando para melhor a sociedade brasileira, estruturas de representação política incompatíveis com esse novo país.
O Brasil está hoje numa encruzilhada: ou encontra dentro do regime aberto e democrático que se deseja construir e consolidar a resposta aos desafios das reformas, ou o dinamismo da sua economia será inexoravelmente atingido pelo descrédito e pela incerteza. Não será possível conviver, a médio e longo prazo com instituições políticas fragilizadas de um lado e, de outro, com a necessidade de um ambiente propício aos investimentos privados, fonte principal para a geração de renda e redução das desigualdades sociais que a todos aflige.
A crise política por que passou e vem passando o País parece ser o momento adequado para se colher lições, assim como, motivo e razão para se buscar respostas e soluções duradouras.
Quanto à mídia, em sua maior parte fortemente endividada, insinua carência ou desejo de pródigos recursos financeiros públicos, o que a torna mais dócil e menos crítica. Por outro lado, como não nos bastasse - a necessidade da reforma previdenciária - agora estamos diante de novas ameaças concretas: a reforma política, que trará restrições ao processo eleitoral, no que se refere ao sistema de candidaturas, ao número de partidos, etc., assim como a reforma trabalhista e sindical, cujos debates já põem à mostra, novos constrangimentos à classe trabalhadora, e a reforma do ensino público brasileiro em todas as suas vertentes.
Para se ter uma idéia de crescimento econômico no Brasil nos últimos anos, vale lembrar que na década dos noventas, o país cresceu em média 2%. Mesmo na década dos oitentas, considerada perdida, o país cresceu 2,1% e, entre os anos cinqüentas e oitentas, a média foi de 7% ao ano. No período militar, por exemplo, o Brasil cresceu até 12% ao ano, com concentração elevada da riqueza, aumentando brutalmente a desigualdade social. O que contrapõe ao discurso de ocultamento da realidade, em função de que no ano passado, o governo ocultou sua opção estratégica pela política econômica ditada pela comunidade internacional sob o véu de que estavam sendo preparadas as condições para um espetáculo de crescimento.
Fontes: Educadora Amélia Hmze; Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho; Sociólogo Octavio Ianni; Sociólogo Ricardo Antunes; Plínio de Arruda Sampaio Júnior e Wilson Cano – professores do Instituto de Economia da UNICAMP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário