domingo, 19 de dezembro de 2010

Paz

Paz: artigo de luxo. Desde 11 de setembro de 2001, paz é o que mais se quer, o que mais se procura. Pessoas se vestem de branco, empunham cartazes e pedem paz no morro, paz no Oriente Médio, paz nas escolas, paz em todo lugar onde haja possibilidade de conflito ou onde o conflito já dê as cartas.
A utilidade disso tudo? Relativa. As manifestações são muito bem intencionadas, por vezes emocionantes, mas a opinião pública infelizmente não tem poder de veto, apenas pressiona. Sei que pressionar é importante, mas a coletividade não tem conseguido provocar grandes comoções em quem realmente decide as guerras. Se a gente quer mesmo ser útil, poderíamos começar tentando ficar em paz consigo mesmo e com os outros, uma coisa que parece tão comum e que na verdade é tão rara.
Paz se pratica no dia a dia, dentro da família, com os amigos, no local de trabalho, na beira da praia, nas filas, no trânsito. Não adianta vestir branco numa passeata e depois soltar os cachorros em quem lhe cruzou a frente do carro. Grande porcaria empunhar um cartaz dizendo "Fora Bush" se meia hora depois este pacifista estará sendo prepotente dentro do escritório em que trabalha. O que mais vejo é gente que se diz do bem, mas que no cotidiano abusa da grosseria.
Quer fazer alguma coisa pelo mundo? Comece deixando os outros em paz. Não os iraquianos ou uma tribo indígena, mas os outros coladinhos em nós: Paulos, Flavias, Rodrigos, Silvanas. Nós sempre temos uma alfinetadinha guardada na manga, uma fofoquinha aparentemente indolor para passar adiante, uma criticazinha construtiva pra doar generosamente. Se fôssemos pacifistas mesmo, saberíamos que nem toda intromissão é bem-vinda e seríamos parceiros apenas de risadas, confidências, dores e entusiasmos, o que já é bastante coisa.
E trate de cuidar da sua paz também. Quantos, numa passeata em “Trafalgar Square” ou na Avenida Paulista, estão em paz? Você se sente em casa dentro do seu próprio corpo? Muitos não passam de hóspedes de si mesmos. Estar em paz é aceitar serenamente que você não tem todas as armas para conquistar o que deseja, não tem munição suficiente para levar todos os seus planos adiante e não
possui um exército que diga amém para todos os seus delírios.
Você está só e é um sujeito heróico dentro do possível. Costuma ir à luta por um emprego, por um amor, por grana, por objetivos razoáveis, e quando não dá certo, não dá, e quando se erra, paciência, e quando acerta, oba, e quando está cansado, se recolhe, e quando está triste, chora, e quando está alegre, vibra, e quando enxerga longe, vai em frente, e quando a visão embaça, freia, e quando está sozinho, chama, e quando quer continuar sozinho, não chama.
Primeiro passo para a paz: reconciliar-se consigo próprio. É o que a gente pode fazer de mais concreto, por mais abstrato que pareça.

Fonte: Martha Medeiros.