O mar de lama da corrupção demonstrada pela
operação lava jato e a apropriação indébita de recursos públicos ao privado na gestão
pública, impressionam e nos causam ansiedade e angústia. Desse modo o sentimento
de impunidade preocupa e nos coloca diante de um dilema patético de realmente
passar o país a limpo ou de sucumbirmos com ele.
Dentro de uma crise sem precedentes e que
se agrava com as incertezas vindas da eleição de “Donald Trump” nos Estados
Unidos, o atual ambiente econômico e político do país nos revela a necessidade
de realizar duas operações cirúrgicas, ao mesmo tempo, uma a de salvar o país
da corruptela, e outra, a de refazer os desmandos na economia, saneando os
gastos públicos, colocando a casa em ordem para trazer de volta o respeito e a
seriedade com o trato das coisas públicas.
Assim, diante de tantos solavancos é a vez
do Banco do Brasil espelhar suas dificuldades com o fechamento de agências e convocando
seu corpo de funcionários a aderirem a seus planos de desligamento voluntário,
fazendo assim o dever de casa deixado de lado por longos anos. Para termos uma
ideia desse quadro, o setor privado já vinha, há algum tempo, enxugando suas
estruturas com fechando agência e focando em agências digitais enquanto o Banco
do Brasil e a Caixa Econômica desavisadamente vinham abrindo agências e aumento
o quadro de funcionários.
Como diria Mário Quintana: “nesses tempos bicudos”,
você liga o rádio ou a TV, conecta-se à internet ou abre os jornais angustiando
em receber notícias dignas e virtuosas, mas somente vê propaganda subliminar,
suja e corrupta. E completa dizendo: o deplorável é que a grande maioria das pessoas sequer sabe entender, interpretar, quanto
mais projetar a informação no seu hoje e no seu amanhã.
Diante do
descalabro de hoje cabe ainda lembrar o Padre Antônio Vieira em seu célebre
Sermão do Bom Ladrão escrito em 1655, proferido da Igreja da Misericórdia de
Lisboa em Portugal. Presentes o Rei Dom João IV e sua corte, os maiores
dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros.
Em seu sermão o Padre Viera ataca e critica aqueles que se valiam da
máquina pública para enriquecer ilicitamente, denuncia os escândalos no
governo, riquezas ilícitas, venalidades de gestões fraudulentas e, indignado,
condena a desproporcionalidade das punições, com a exceção óbvia dos
mandatários do século 17.
Dessa maneira o Padre Vieira usou o púlpito como arauto das aspirações
públicas, à guisa de uma imprensa ou de uma tribuna política. Embora estivesse
na Igreja da Misericórdia, disse ser a Capela Real e não aquela Igreja o local
que mais se ajustava a seu discurso, porque iria falar de assuntos pertinentes
à sua Majestade e não à piedade.
De início, o padre adverte aos reis quanto ao pecado da corrupção
passiva e ativa, pela cumplicidade do silêncio permissivo, e assim, o sermão
apresenta uma visão crítica sobre o comportamento imoral da nobreza, da época.
Em um dos fragmentos do Sermão o Padre Vieira diz: Levarem os reis consigo ao paraíso os
ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e
verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do
seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas, o que vemos
praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levarem consigo os
ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno. Assim,
a salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se perdoa
sem se restituir o roubado. Porquanto os seus príncipes, ao invés de
tomar conta do povo como os pastores, roubam o povo como lobos.
Em outro momento Padre Vieira narra uma passagem histórica com Alexandre
Magno (grande conquistador do mundo antigo), e disse: navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar
a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava
roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau
ofício: porém o pirata, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta,
senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em
uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é
grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito poder faz
os Alexandres.
Assim, muitos cuidam de sua reputação, porém,
não de suas consciências.