Ao longo dos
séculos, vem-se atribuindo o atraso do Brasil e as dificuldades dos brasileiros
a falsas causas naturais e históricas até mesmo como imutáveis.
Fala-se dos
inconvenientes do clima tropical, ignorando-se suas evidentes vantagens. Acusa-se
a mestiçagem da população, desconhecendo que somos um povo feito da mescla de
índios com negros e brancos, e que nos mestiços constituímos o cerne melhor de
nosso povo.
Também se fala da
religião católica como um defeito, sem olhos para ver a França e a Itália,
magnificamente realizadas dentro dessa fé.
Há quem se refira
à colonização lusitana com nostalgia por uma maravilhosa colonização holandesa,
o que de fato é tolice de gente que, visivelmente, nunca foi ao Suriname, antiga
Guiana Holandesa que em sua independência em 1975 substituiu seu nome para
Suriname. Existe até quem queira atribuir nosso atraso a uma suposta juventude
do povo brasileiro, que ainda estaria na menoridade.
Dizem que nosso
território é pobre e muito grande, uma balela. Repetem incansáveis que nossa
sociedade tradicional era muito atrasada, outra inverdade. Produzimos, no
período colonial, muito mais riqueza de exportação que a América do Norte e
edificamos cidades majestosas como o Rio de Janeiro, a Bahia, o Recife, Olinda
e Ouro Preto, que eles jamais conheceram.
É, em realidade,
um discurso ideologizado de nossas elites de plantão. Muita gente boa, porém,
em sua inocência, interioriza e repete tudo isto, sem os devidos cuidados. De
fato, o único fator causal inegável de nosso atraso é o caráter das classes
dominantes brasileiras, que se escondem atrás desse discurso vazio e
inconsequente. Não há como negar que a culpa do atraso nos cabe é a nós, os
ricos, os brancos, os educados, que impusemos, desde sempre, ao Brasil, a
hegemonia de uma elite retrógrada, que só atua em seu próprio beneficio.
O que temos sido,
historicamente, é um proletariado (empregado que vende sua força de trabalho)
externo do mercado internacional. O Brasil jamais existiu para si mesmo, no
sentido de produzir o que atenda aos requisitos de sobrevivência e prosperidade
de seu povo. Existimos é para servir a reinvindicações alheias.
O Brasil foi
formado e feito para produzir pau-de-tinta para o luxo europeu. Depois, açúcar
para adoçar as bocas dos brancos e ouro para enriquecê-los. Após a
independência, nos estruturamos para produzir algodão e café. Hoje, produzimos
soja e minério de exportação. Para isso é que existimos como nação e como
governo.
É preciso resolver
as necessidades nacionais de prover nutrição, saúde, moradia, educação e
segurança a toda a população, assim como produzir divisas para atuarmos dentro
do mercado mundial, comprando tecnologias de fora, mas, contudo produzindo e
desenvolvendo as nossas próprias tecnologias.
Vivemos uma
conjuntura trágica. O próprio destino nacional está em causa e é objeto de
preocupação da cidadania mais lúcida e responsável. O aspecto mais grave e
inquietante da crise que atravessamos é de natureza política. Frente a ela, as
diretrizes econômicas, postas em prática por sucessivos governos, se
caracterizam por uma incrível teimosia na manutenção de uma institucionalidade
fundiária que condena o povo ao desemprego e muitos à miséria, pela mais crua
insensibilidade social, por um servilismo vexatório diante de interesses
alheios ao povo e pela mais irresponsável predisposição em subtrair as
principais peças constitutivas do patrimônio nacional.
Porém, essas
idiotices todas não levam em conta que o descobrimento dos Estados Unidos se
deu em 1492 e o descobrimento do Brasil se deu em 1500; que a independência dos
Estados Unidos aconteceu em 1786 e a nossa aconteceu em 1822; que a República
americana se deu em 1786 e a do Brasil em 1889 e que os americanos possuem
apenas uma constituição contra sete edições da nossa. Parece que nos falta
mesmo é trabalho duro, honestidade, foco e vergonha para não buscar desculpas
incabíveis.
Fonte: Darcy Ribeiro