O que, exatamente, faz o governo num país de economia complexa como o
Brasil? O governo brasileiro regula a atividade econômica. O Estado é dono de
muitas empresas. É sócio de empresas que não controla totalmente. E ainda é
dono de bancos mastodônticos e de companhias gigantescas, que detêm
participações em uma fauna de empresas de todas as espécies. Para não falar no
controle que exerce sobre os fundos de pensão das estatais, os maiores
investidores do mercado. De diferentes formas, o governo interfere na gestão de
algumas das maiores empresas privadas nacionais, em setores tão distantes
quanto metalurgia, criação de animais para abate ou telefonia. A teia de
interesses estatais nos negócios é tão complexa, tem tantas facetas e envolve
tantos conflitos de interesse que o próprio governo não consegue avaliá-la de
modo preciso. Nem o Ministério do Planejamento, a que está ligado o
Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, nem a Secretaria
do Tesouro Nacional, que controla o caixa federal, sabem quantas empresas no
país têm participação estatal. E não há, em nenhuma repartição de Brasília, um
diagnóstico completo da atuação e da influência do governo sobre nossa
economia.
O governo é um dinossauro insaciável. Nunca tivemos um capitalismo de estado
tão evidente, ressaltam especialistas.
A revista ÉPOCA com o apoio da empresa de informações financeiras
Economática dedicou-se a desfazer o nevoeiro que encobre essa questão.
Mergulharam em relatórios ministeriais, balanços e planilhas de dados do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), das estatais, da Bolsa
de Valores e das empresas privadas sob influência do governo. Coletaram-se
participações do governo federal através de um critério conservador para
estimar o tamanho do Estado, por omitir as estatais em poder de Estados e
municípios. Mesmo assim, o levantamento inédito, cujos resultados são
apresentados estão disponíveis de modo interativo em “epoca.com.br” e revela um
quadro preocupante. No futebol da economia brasileira, o governo não é apenas
juiz, bandeirinha, técnico, zagueiro e artilheiro ao mesmo tempo. Ele também
corta o gramado do estádio, costura as redes e – se quiser – pode até mexer no
tamanho das traves.
De acordo com o levantamento, existem hoje no país pelo menos 675
empresas de todos os setores com algum tipo de participação ou influência do
governo federal. São participações diretas ou indiretas do Tesouro, dos bancos
e das empresas estatais ou dos fundos de pensão (entidades híbridas,
inegavelmente na órbita do governo).
Levando em conta apenas as 628 empresas, não financeiras, o faturamento
soma R$ 1,06 trilhão, algo como 30% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ou 2,5
vezes as vendas dos 50 maiores grupos privados nacionais. Nas 247 empresas não
financeiras controladas pelo governo, as vendas somam R$ 468,5 bilhões, ou 13%
do PIB. E o valor de mercado das 99 empresas cujas ações são negociadas na
BM&FBovespa totaliza R$ 1,7 trilhão, ou 71% do valor de mercado das empresas
na Bolsa. A interferência do Estado na economia via estatais, BNDES e fundos de
pensão é tão intensa que, durante a pesquisa, ÉPOCA teve de atualizar os dados
de muitas companhias que receberam recentemente dinheiro do governo, como o
frigorífico JBS ou a Cipher, especializada em sistema de segurança de
informação.
No Brasil, a visão do Estado-empresário nunca teve dificuldades para
angariar fãs. A partir do governo Lula, houve uma mudança no entendimento do
papel que o Estado deve ter no capitalismo brasileiro. O Partido dos
Trabalhadores renegou a privatização, começou a gastar demais e a interferir na
gestão de empresas privadas. Começou a aparecer essa face do PT, de que o
governo deve ser o agente mais importante de uma economia como a nossa. Os
brasileiros amam o Estado e quer mais Estado, dizem os especialistas.
Infelizmente a idéia de que o governo resolverá todos os problemas está
entranhada na cultura nacional, o que não corresponde necessariamente à
verdade.
Em seus oito anos de governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
criou sete novas estatais: o Banco Popular do Brasil (BPB), que nem existe
mais, a Hemobrás (para fabricação de hemoderivados), a Empresa Brasileira de
Comunicações (EBC), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a Pré-Sal Petróleo,
a Ceitec (para fabricar chips e microcondutores) e a Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares, designada pela impronunciável sigla EBSERH, cujo
objetivo seria prestar serviços gratuitos e apoiar o ensino e a pesquisa nos
hospitais universitários federais (esta última não vingou, pois a medida
provisória que a criava caducou). Além de criar as novas empresas, Lula
investiu quase R$ 100 bilhões nas estatais já existentes e concedeu a elas
empréstimos do Tesouro de quase R$ 200 bilhões, principalmente ao BNDES. Houve
ainda o renascimento de estatais como a Telebrás, a holding de telefonia cujas
subsidiárias foram privatizadas em 1998, e os investimentos bilionários feitos
por BNDES, estatais e fundos de pensão na compra de participações em grandes
grupos privados.
No governo da presidente Dilma Rousseff, o avanço do Estado sobre o
mundo dos negócios continua em ritmo acelerado. Num leilão realizado em 2011, o
Banco do Brasil (BB) ganhou o direito de explorar o Banco Postal, a rede de
serviços bancários dos Correios, a partir de 2012. Com um lance de R$ 2,3
bilhões, o BB superou a oferta do Bradesco, que operava o Banco Postal desde
2002.
Ainda em 2011, o BNDES anunciou a conversão de uma dívida de R$ 3,5
bilhões do JBS, o maior frigorífico de carne bovina do mundo, em ações e
ampliou sua fatia no capital da empresa de 17% para 31%. Quase ao mesmo tempo,
o governo patrocinou a troca de comando da empresa Vale, a segunda maior
mineradora global, por discordar de sua política de investimento. Embora
afastado da Vale desde a privatização, em 1997, o governo usou sua força nos
fundos de pensão que detêm o controle da empresa, para impor uma diretoria
simpática a seus planos.
O Congresso Nacional aprovou um projeto do governo em 2011 que criou
mais uma estatal, a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade
(Etav), para gerenciar o projeto do trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio
de Janeiro que teria financiamento de R$ 20 bilhões a juros camaradas do BNDES
(20% acima do gasto previsto para o programa Bolsa Família).
Embora a decisão de privatizar os aeroportos, como aconteceu, seja
importante, ela não significa que Dilma tenha subitamente aderido à causa da
privatização, palavra demonizada por ela mesma durante a campanha eleitoral. A
medida reflete apenas o reconhecimento tardio de que o governo não tem dinheiro
para modernizar os aeroportos e prepará-los para a Copa do Mundo de 2014 e para
a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Só que o país precisa investir pesado
em infra-estrutura nos próximos anos – e não apenas para a Copa e a Olimpíada.
Os gargalos de nossa economia oneram toda a produção e reduzem a
competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Além dos
aeroportos, é preciso modernizar e ampliar portos, estradas, ferrovias, a
geração e distribuição de energia e os sistemas de água e esgoto. De acordo com
cálculos do BNDES, as obras exigirão R$ 1 trilhão até 2014. E o governo não tem
os recursos necessários para bancá-las. Apesar de sermos um país que optou por
ter um Estado grande, temos um Estado que investe muito pouco, comentam
especialistas. Também falta poupança interna para financiar todos os
investimentos necessários. Sem o capital estrangeiro, portanto, é impossível formatar
o Brasil.
Afinal, “Não é o tamanho do Estado que importa, é o que o governo faz”,
diz o economista americano Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia de 2001.
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