sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Todos somos iguais


O jangadeiro Anselmo, de Fortaleza, olhava para o mar, sentado num casco velho de barco, enquanto a seus pés os netos brincavam, revolvendo-se na areia branca da praia.
- Vovô, perguntou um deles ao velho, em que está pensando?
- Em que já fui assim como vocês são: pequeno, alegre, e que passava as tardes rolando nesta linda areia, enquanto meu avô olhava para o mar. Somente eu não lhe perguntava: - Em que está pensando, vovô?, porque ele era um homem calado e não me dava confiança ...
Os dois meninos tinham saltado para os joelhos do velho e ameigavam-lhe as faces com as mãozinhas gordas.
- Nosso vovô é o melhor do mundo! – exclamou um deles.
O jangadeiro sorriu e continuou:
- Meu avô também era um santo: muito melhor do que eu.
- Isso é impossível!
- Era um cearense de lei, aferrado aos nossos costumes, ousado, forte, simples e amigo da pobreza. Uma vez vi-o tirar o casaco do corpo – e era o único que ele tinha – para dar a um mendigo que vivia a tremer de febre. Dava tudo; como era pescador, atirava-se às vezes por essas ondas bravas, só para ajudar os outros pescadores mais infelizes. Depois, se lhe queriam agradecer, voltava as costas e lá se ia embora.
Não voltava da pescaria que não trouxesse uma porção de peixes para qualquer viúva necessitada ou para qualquer criança sem pai. Da sua rede muita gente comia sem gastar vintém.
Entretanto era um homem calado. Isso não quer dizer nada na gente velha, que é quase sempre triste. Por isso mesmo é que as crianças devem ser meigas e risonhas para nós. Vocês, meus velhacos, parecem ensinados! Quem vos diz que me passeis assim com tanta doçura as mãos pela cara? É a mamãe?
As crianças entreolharam-se admiradas; depois o mais velho disse:
- Mamãe diz muitas vezes: - Vocês respeitem sempre os velhos, não se riam de quem tiver os cabelos brancos. Mas nunca nos recomendou que o abraçássemos.
- Então, por que fazem vocês isso?
- Não sei ...
- Eu sei! – respondeu o mais pequeno, muito ufano.
- É porque dá gosto à gente.
O jangadeiro limpou furtivamente uma lágrima e beijou as duas crianças. Os netos continuaram:
- Vovô já foi mesmo do nosso tamanho?!
- Fui.
- E teve pai?
- E mãe; e gostei de fazer travessuras, como vocês. Eu trazia sempre os bolsos cheios de conchas, por mais que minha mãe dissesse que elas rasgavam as calças. E trepava às árvores, e enterrava-me na areia movediça, e era um diabrete, como vocês. Bom tempo!
Os meninos sorriram e apalparam as algibeiras recheadas de búzios.
- Então, toda gente é igual?
- Como essas ondas. Vocês, que aí estão, pequenos e lépidos, hão de ser, como eu também já fui, moços aventurosos e alegres, até que chegue um dia em que sejam o que eu sou agora – velho e cansado. E é por isso mesmo, meus amores, porque nós todos somos iguais, estando sujeitos às mesmas leis da natureza, que nos devemos respeitar e auxiliar uns aos outros.

Fonte: Júlia Lopes de Almeida. “Histórias da nossa terra”.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Ato de Redigir


Falar, todas as pessoas sabem; basta não ser mudo; redigir, todavia, poucos podem dizer que sabem, porque não basta apenas vontade, é preciso ser capaz, é necessário prática. Prática e talento.
Quem não sabe expressar-se, comunicar suas idéias por escrito, não pode considerar-se inteiramente alfabetizado, escolarizado. Pode o indivíduo formar-se em engenheiro, advogado, professor, médico, economista, jornalista (!), etc. Vai sempre, ao longo da vida, revelar inaptidão, incapacidade de expressão e, sem dúvida, será notado por isso. Entre colegas provavelmente será alvo de chacotas, será ridicularizado, quando não desprezado.
O ato de redigir exige mais que simples palavras; exige concatenação de idéias, algum vocabulário, estilo, ordem, correção, etc. Exige cultura.
Sente muita dificuldade em escrever, em discorrer sobre qualquer assunto, aquele que não tem o hábito da leitura. Tal dificuldade vai desde a ortografia até a escolha dos termos adequados. A pouca familiaridade com o vocabulário da língua levará inevitavelmente a equívocos, e o pequeno universo vocabular, que limita o pensamento, não permite redigir com arte, não possibilita desenvolver um trabalho a ponto de despertar interesse de quem lê.
A leitura frequente traz maior facilidade de expressão e comunicação do próprio pensamento. Quem não lê no mínimo uma hora por dia – livros, jornais, revistas – não pode estar sendo muito interessante, até mesmo para os amigos.
A paráfrase de notícias de jornal é ótimo exercício para os que desejam iniciar ou aprimorar o ato de redigir. Após a leitura de uma notícia, tecem-se opiniões sobre o assunto. A freqüência de tal prática, ao cabo de algum tempo, costuma trazer resultados surpreendentes.
Não há profissional sério que não sinta necessidade de utilizar a norma culta; não há profissional respeitado que não tenha suficientes razões para conhecê-la.
Tente, caro leitor! Não custa ser interessante. Até para os amigos...

Fonte: Prof. Luiz Antonio Sacconi. 

sábado, 3 de dezembro de 2011

Os PIIGS e a Crise Européia


Os países europeus gastaram demais nos últimos anos e chegou a hora de pagar a conta. Daí a varredura dos primeiros ministros Europa afora.
Islândia e Irlanda, países seriamente envolvidos com a crise financeira foram os primeiros a terem seus governos substituídos em meio à turbulência na economia. Em seguida a crise varreu o ex- primeiro ministro trabalhista britânico Gordon Brown, substituído por David Cameron do partido conservador.
O mesmo cenário se repetiu em Portugal onde o socialista José Sócrates deu lugar a Pedro Passos Coelho eleito com uma coalizão de centro direita.
Acordos entre os principais partidos levaram a ascensão do economista Lucas Papademus, ex-vice presidente do Banco Central Europeu a tarefa de reconstruir a economia da Grécia através de acordo para implantação do pacote de austeridade imposto pela União Européia, abrindo caminho para um novo empréstimo de € 130 bilhões. Sem esse recurso a Grécia iria à falência arrastando todo o sistema internacional a uma catástrofe financeira.
Na Itália sai Berlusconi e entra Mário Conti na esteira de melhorar as condições da dívida “Made in Italy”. Na Espanha a última eleição destituiu José Luis Zapatero e elegeu com maioria Mariano Rajoy do conservador Partido Popular. No mesmo sentido Nicolas Sarkozi e Ângela Merkel trabalham suas dificuldades.
A curiosidade, por conta dos elevados gastos dos países europeus endividados que superam o PIB da Alemanha é apelido de PIGS (em inglês: porcos), das letras iniciais na língua inglesa para Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Spain) em razão, claro, da situação nada fácil destas economias.
A Itália lidera o clube dos endividados com € 1.900 (um trilhão e novecentos bilhões), ou seja, 120% de seu PIB (soma de bens e serviços produzidos pelo país), com taxa de desemprego de 8,5%. A segunda maior dívida é da Espanha com € 733 (setecentos e trinta e três bilhões), comprometendo 67% do PIB, com taxa de desemprego de 20% (40% de jovens). Segue a Grécia com € 365 (trezentos e sessenta e cinco bilhões), chegando a 165% do PIB, com 18 % de taxa de desemprego. Portugal com € 181 (cento e oitenta e um bilhões), representando 106% do PIB, com desemprego de 12,5% e a Irlanda com € 155 (cento e cinqüenta e cinco bilhões), 109% do PIB, e desemprego de 15%.
Os problemas da Grécia começaram em 2002 com a entrada do país para a União Européia. Para facilitar a sua entrada no bloco as autoridades gregas manipularam os índices e apresentaram um quadro muito mais favorável da economia do país com o que existia na realidade. Na condição de sócios de novos ricos do continente a Grécia passou a tomar empréstimos gigantescos nos bancos europeus. Logo a dívida do país alcançou índices não proporcionais à economia grega. A situação se agravou a partir de 2004 com os investimentos necessários para as Olimpíadas de Atenas. Pouco tempo depois o país entrou em recessão a exemplo dos demais parceiros do bloco. Na tentativa de reaquecer a economia o governo aumentou o salário do funcionalismo e inchou a máquina estatal, distribuiu benefícios e reduziu impostos. Com o aumento do risco os bancos aumentaram os juros e a dívida grega explodiu. Quando a crise estourou no ano passado, o governo anunciou um pacote de austeridade reduzindo salários e pensões, aumentando impostos. Porém, a situação já era grave. Bancos da Alemanha e da França já estavam carregados de títulos podres do tesouro grego e corriam sérios riscos de falência.
Na intenção de minorar a situação a União Européia aprovou dois pacotes de empréstimos para a Grécia no valor total de € 200 bilhões, onde os bancos tiveram de aceitar uma redução de 50% do valor da dívida.
Diante do quadro econômico na Europa a França anunciou o mais radical corte nas despesas desde o fim da segunda guerra, levando a população, a apertar o cinto para geração de uma economia de mais de € 100 (cem bilhões) através de aumento de impostos, mudanças na idade para aposentadoria, passando de 62 anos para 65 anos, redução dos gastos públicos, congelamento de salários dos ministros e do próprio presidente francês.
Os efeitos desses pacotes normalmente trazem o baixo crescimento econômico para os anos seguintes, rebaixamento da nota da dívida pública dos países envolvidos na crise pelas agencias medidoras, e, o calculo de dez anos como tempo necessário para recuperação da Europa.
A china, porém, acompanha com atenção redobrada a crise européia, pois boa parte de suas reservas monetárias está em Euros e a cada ano o comércio dos chineses com os europeus, da ordem de meio trilhão de dólares em mercadorias, tendem a diminuir.
Por enquanto a economia chinesa não mostra sinais de contaminação e segue crescendo em média 10% ao ano, principalmente, na esteira de uma política cambial que tem o Yuãn (moeda chenesa), desvalorizada artificialmente, tornando os produtos “Made in China” mais baratos que de seus concorrentes, gerando grande desequilíbrio na economia mundial.
Enquanto os líderes buscam uma solução para a crise os efeitos da desaceleração da economia na Europa já começam a afetar a balança comercial brasileira. O ritmo de crescimento das exportações brasileiras para a zona do euro neste ano é de 27%, porém, caiu pela metade nos últimos meses.
Dados do FMI dão conta que os impactos da crise do euro vão elevar a posição do Brasil no ranking das maiores economias do mundo, podendo o Brasil chegar a ocupar a sexta posição possivelmente no próximo ano deixando o Reino Unido para trás. A notícia parece boa, desde que também façamos o nosso dever de casa.