O jangadeiro Anselmo, de Fortaleza, olhava para o mar, sentado num casco velho de barco, enquanto a seus pés os netos brincavam, revolvendo-se na areia branca da praia.
- Vovô, perguntou um deles ao velho, em que está pensando?
- Em que já fui assim como vocês são: pequeno, alegre, e que passava as tardes rolando nesta linda areia, enquanto meu avô olhava para o mar. Somente eu não lhe perguntava: - Em que está pensando, vovô?, porque ele era um homem calado e não me dava confiança ...
Os dois meninos tinham saltado para os joelhos do velho e ameigavam-lhe as faces com as mãozinhas gordas.
- Nosso vovô é o melhor do mundo! – exclamou um deles.
O jangadeiro sorriu e continuou:
- Meu avô também era um santo: muito melhor do que eu.
- Isso é impossível!
- Era um cearense de lei, aferrado aos nossos costumes, ousado, forte, simples e amigo da pobreza. Uma vez vi-o tirar o casaco do corpo – e era o único que ele tinha – para dar a um mendigo que vivia a tremer de febre. Dava tudo; como era pescador, atirava-se às vezes por essas ondas bravas, só para ajudar os outros pescadores mais infelizes. Depois, se lhe queriam agradecer, voltava as costas e lá se ia embora.
Não voltava da pescaria que não trouxesse uma porção de peixes para qualquer viúva necessitada ou para qualquer criança sem pai. Da sua rede muita gente comia sem gastar vintém.
Entretanto era um homem calado. Isso não quer dizer nada na gente velha, que é quase sempre triste. Por isso mesmo é que as crianças devem ser meigas e risonhas para nós. Vocês, meus velhacos, parecem ensinados! Quem vos diz que me passeis assim com tanta doçura as mãos pela cara? É a mamãe?
As crianças entreolharam-se admiradas; depois o mais velho disse:
- Mamãe diz muitas vezes: - Vocês respeitem sempre os velhos, não se riam de quem tiver os cabelos brancos. Mas nunca nos recomendou que o abraçássemos.
- Então, por que fazem vocês isso?
- Não sei ...
- Eu sei! – respondeu o mais pequeno, muito ufano.
- É porque dá gosto à gente.
O jangadeiro limpou furtivamente uma lágrima e beijou as duas crianças. Os netos continuaram:
- Vovô já foi mesmo do nosso tamanho?!
- Fui.
- E teve pai?
- E mãe; e gostei de fazer travessuras, como vocês. Eu trazia sempre os bolsos cheios de conchas, por mais que minha mãe dissesse que elas rasgavam as calças. E trepava às árvores, e enterrava-me na areia movediça, e era um diabrete, como vocês. Bom tempo!
Os meninos sorriram e apalparam as algibeiras recheadas de búzios.
- Então, toda gente é igual?
- Como essas ondas. Vocês, que aí estão, pequenos e lépidos, hão de ser, como eu também já fui, moços aventurosos e alegres, até que chegue um dia em que sejam o que eu sou agora – velho e cansado. E é por isso mesmo, meus amores, porque nós todos somos iguais, estando sujeitos às mesmas leis da natureza, que nos devemos respeitar e auxiliar uns aos outros.
Fonte: Júlia Lopes de Almeida. “Histórias da nossa terra”.