A chegada
inesperada da COVID-19, que nos afetou a todos em escala mundial, encontrou um
mundo já em transformação. Porém com advento dessa pandemia as transformações se
aceleram como nunca, trazendo modificações importantes nas relações sociais, na
política e nos políticos, no mercado de trabalho e suas relações, bem como no
gerenciamento dentro dos complexos industriais torpedeados pela necessidade de um
novo conjunto de regras e normas de gerenciamento e atuação atuais, que não
estão nos livros, mas que precisarão ser desenvolvidas e compiladas, o quanto
antes.
Assim, com as
mudanças em ascensão as nações ou os empreendimentos que acertarem mais em suas
decisões atuais poderão tomar a dianteira nessa retomada após a passagem do
coronavirus.
Nesse sentido, as
decisões dos atuais dirigentes mundiais moldarão o mundo que há de vir, onde cada
decisão se tornará essencial para o futuro, superdimensionando a
responsabilidade do momento, não apenas na formatação de nossos sistemas de saúde,
mas também de nossa economia, de nossa política e de nossa cultura, etc.
Yuval Noah Harari, historiador e filósofo israelense,
autor dos livros ‘Sapiens’ e ‘Homo Deus’ – sucesso mundial de vendas -, nos diz
que o primeiro dilema, nestes momentos de pandemia, se dá entre a vigilância
totalitária e o empoderamento dos cidadãos, e o segundo dilema acontece entre o
isolamento nacionalista e a solidariedade global.
Harari defende
que a tempestade da pandemia passará. Sobreviveremos, mas o planeta será
outro, já que muitas das medidas atuais de emergência deverão ser estabelecidas
como rotinas fixas, pois, essa é a natureza das emergências, acelerar os processos
históricos. Assim, as decisões que em tempos normais levam anos para que sejam
deliberadas, diante do inimigo invisível são tomadas em poucas horas.
As tecnologias perigosas e imaturas entram
rapidamente em vigor, porque os riscos de inação são piores.
Países inteiros já funcionam como cobaias
para experimentos sociais em larga escala. Vejam o que acontece quando todos
trabalhamos em casa e só temos comunicação remota? O que acontece quando todas
as escolas e universidades trabalham online? Essas são perguntas que a população mundial está
fazendo neste momento, do médico ao trabalhador de escritório, do empresário ao
professor.
Pela primeira vez na história, os governos
hoje têm a capacidade de monitorar toda a sua população ao mesmo tempo e em
tempo real, um dispositivo que nem a KGB soviética
conseguiu em um único dia. Os governos de hoje conseguem isso com sensores
onipresentes e poderosos algoritmos, como demonstrou a China,
monitorando a população por meio de telefones
celulares e por câmeras de reconhecimento facial.
A questão que nos alerta Harari é, se os
dados de suas reações serão usados politicamente para saber como respondem as
emoções do eleitorado a certos estímulos apenas, estatisticamente, ou para
manipular grandes massas. Eis a questão!
Atualmente na China, vários aplicativos
alertam ao portador de um celular de que ele está próximo de uma pessoa
infectada, porém, a que suposto perigo poderiam nos alertar também?
Esses tipos de tecnologias não se limitam
à Ásia. Harari nos
lembra que, recentemente, o primeiro-ministro israelense Benjamin Neranyahu autorizou
a Agência de Segurança a usar tecnologia anteriormente
restrita a combater terroristas para rastrear pacientes com coronavirus, isso
foi feito através de um determinante ‘decreto de emergência’ que rejeitou as
objeções da oposição no Parlamento.
Em outras palavras, a tecnologia de
vigilância em massa que antes assustava muitos governos poderá ser usada
regularmente, não mais como um controle ‘sobre a pele’, mas ‘sob a pele’. Os
políticos terão muitas informações sobre o que nos provocam tristeza, tédio,
alegria e euforia. Isso representa um poder sobre as populações sem precedentes
e, portanto, arriscado.
Por outro lado, foi demonstrado que
o monitoramento centralizado e a punição severa não foi a maneira mais eficaz
de alcançar o cumprimento das regras que poderiam nos salvar. Porém, uma
população motivada em sua própria saúde e bem informada é a única chave para
esse processo.
De fato, esse é o grande ensinamento
da política do uso do sabão, que não exige que um Big Brother nos
assista a toda hora. Assim, o hábito do sabão precede todos os
regulamentos, é um tipo de legado familiar de longo ciclo histórico.
O historiador e filósofo insiste na
centralidade das histórias comuns às civilizações, como por exemplo, os
costumes higiênicos. E para atingir esse nível de cumprimento e colaboração no
bem comum, é necessária confiança na ciência, nas autoridades públicas e nos
meios de comunicação.
Nos últimos anos, políticos
irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades e
nos meios de comunicação, afirma
o historiador. Agora, esses mesmos políticos poderão ficar tentados a seguir o
caminho mais rápido para o autoritarismo, com o argumento que não se pode
confiar que o público faça a coisa certa, adverte.
Harari é a favor de se monitorar a
temperatura corporal e a pressão sanguínea das pessoas, mas esses dados não
devem ser usados para criar um governo todo-poderoso, devem permitir que as
pessoas tomem suas decisões pessoais mais bem informadas e que, por outro lado,
essas mesmas ferramentas também deveriam fazer com que os governos prestem
contas de suas decisões, comenta.
Harari exorta
que tenhamos um plano global na escolha entre o isolamento nacionalista e a
solidariedade global. Dado que tanto a epidemia, quanto a crise econômica são
globais, e apenas poderão ser resolvidas com a cooperação global.
Para derrotar a pandemia, precisamos
compartilhar globalmente as informações, e essa é a grande vantagem dos seres
humanos sobre os micro-organismos. A China pode
ensinar muito aos Estados Unidos como combater o vírus. Enquanto o hesitante
governo britânico decide entre privilegiar a economia e não a saúde pública, os
coreanos têm muito a ensinar sobre a luta contra o coronavirus. Mas isso não
pode ser alcançado sem o compartilhamento de informações.
Precisamos de um espírito de
cooperação e confiança, alerta Harari. E também da plena disposição
internacional de produzir e distribuir equipamentos médicos, como kits de teste
e respiradores. Assim como os países internacionalizam suas principais
indústrias durante uma guerra, o combate contra o coronavirus exige humanizar
as indústrias comprometidas com o bem comum.
Nesse sentido, a
humanidade está enfrentando um desafio histórico, do qual se precisa resolver o
dilema da adoção do caminho da solidariedade global ou o da desunião, que
apenas resulta em prolongamento da crise.